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ESBOÇO DO ARTIGO COMPLETO:

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Marcelo Berti

Pouca notícia se tem de Teólogos de fala síria na história da Igreja, mas o que temos em mãos pode ser elucidativo.

A. Taciano, o Assírio

Taciano, conhecido pela história da Igreja como Taciano o Assírio, é mais um daqueles representantes dos Pais da Igreja que pouca coisa se sabe com certeza. Ele nasceu na Assíria, muito embora não se saiba precisar quando, mas veio a falecer, provavelmente, em 185 d.C. Por ter ido à Roma, tornou-se discípulo de Justino, o Mártir e provavelmente foi seu aluno no período em que combatia os sofistas gregos. Após a morte de Justino, pouco se sabe sobre ele. Irineu diz que após a morte de Justino, Taciano deixou Roma, em função de sua visão asceta e por ter juntado-se ao movimento de Valentino, um líder gnóstico. Eusébio diz que ele é o fundador da seita Encratita (gr. Autocontrole), que se abstinha de vinho, carne de animais e do casamento. Entretanto, não se sabe muito além disso. O que o torna reconhecido é sua obra chamada Diatessaron (gr. através dos quatro [evangelhos] – METZGER, pp.89), que é a primeira harmonia do evangelhos que se tem conhecimento.

O Diassetaron é datado entre 150-160 d.C. (T.Nicol acredita em uma data posterior a 170 d.C, ISBE)e representa uma das grande obras da tradição síria do cristianismo. É bem verdade que existe certa disputa sobre em que língua teria sido escrita essa obra, pois os remanescentes mais antigos são fragmentos sírios e gregos. Entretanto, é possível remontá-lo no idioma sírio quase completamente pelos comentários feitos por Efraim da Síria no Diatessaron. Esse documento também é encontrado em latim, armênio e árabe em versões posteriores. A grande dificuldade de se remontar o texto do Diatessaron é que no quinto século, quanto o Pai da Igreja Teodoret tornou-se bispo de Ciro na Síria, ele encontrou algumas cópias desse matérial em sua diocese. Pelo fato de Taciano ter sido identificado como um herege no fim de sua vida e por pensar que os cristão estavam em perigo com sua obra, Teodoret mandou destruir tantas obras quanto fossem encontradas.

Apesar de Taciano ser um Pai da Igreja de história controvertida, e de sua principal obra ser rodeada de dificuldades históricas, o mais importante em nossa análise é a que forma de Jo.1.1 ele teve acesso. Sua versão desse verso é assim encontrada:

No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus e Deus era o Verbo

A ordem da última sentença parece deslocada, em relação a tantas outras que já vimos, até por que entendemos que essa não é uma tradução possível para o texto grego. É como se Taciano estivesse lendo um artigo definido antes do substantivo Deus: “καὶ Θεὸς ἦν ὁ Λόγος” (lit. e O Deus era O Verbo). Como sabemos que esse artigo não estava lá, podemos apenas supor que esse era o entendimento de Taciano. Na pior das hipóteses, Taciano teria lido o texto desse modo, mas isso já um pouco mais improvável, uma vez que essa leitura só foi encontrada no manuscrito alexandrino tardio L, do oitavo século. O que é evidente, por outro lado, é que nem em seu entendimento, ou do “suposto” texto que tinha disponível, parecia enxergar aqui um outro Deus.

B. Efraim da Síria

Efraim da Síria é, provavelmente, o único representante da História da Igreja reconhecido como teólogo-poeta.  Ele nasceu por volta do ano 306 d.C. na cidade de Nisíbis filho de um líder pagão do deus Abnil ou Abizal. Foi introduzido ao cristianismo pelo Bispo de sua cidade, Tiago (Jacó). Efraim foi batizado por ele com 18 anos e provavelmente tornou-se um filho da aliança , uma forma não usual do proto-monasticismo Sírio. Também foi designado professor e diácono por Tiago. Tornou-se hábil na composição de hinos e na produção de comentários bíblicos. Escreveu muitos hinos de caráter didático, ricos em poesia e fundamentado nas escrituras, além de uma série de Hinos Contra Heresias, que apresenta poeticamente a encarnação do Verbo como Deus-homem. Suas obras foram escritas exclusivamente em Sírio, entretanto as cópias mais antigas desses materiais são encontrados em Grego, Copta, Georgiano e Armênio, sendo que muitas de suas obras são apenas encontrados no último.

Em uma obra intitulada “Sermão da Transfiguração do nosso Senhor, Deus e Salvador, Jesus Cristo”, Efraim defende uma visão ortodoxa da cristologia. Nessa obra ele apresenta claramente o conceito da Trindade: “Pai, o Filho e o Espírito Santo são um em natureza, poder, essência e relacionamento” (v.14); da união hipostática: “Eu confesso o mesmo [que Cristo] é perfeito Deus e perfeito homem, reconhecendo nele duas naturezas unidas hipostaticamente, mas em pessoa, [ele] é indivisível, sem confusão, e imutável” (v.17).  Pouco à frente no mesmo documento ele poeticamente atesta: “Ele é ao mesmo tempo, terreno e celeste, temporal e eterno, com início e sem início, atemporal e sujeito ao tempo, nascido e não criado, passível e impassível, Deus e homem, perfeito nos dois, um em dois, dois em um”.

A opinião de Efraim é claramente ortodoxa e não precisaríamos de outras evidências para que isso seja verificado. Por isso não é de estranhar que o fundamento para essas declarações, além daquelas que encontra no relato da transfiguração, esteja em Jo.1.1. Sobre isso ele fala:

“Mas os profetas falaram a verdade e seus testemunhos não mentem. O Espírito Santo falou por meio deles o que deveriam escrever. E João o puro também, que reclinou-se no peito do fogo, reforçando a voz dos profetas, falando da parte de Deus no Evangelho, falando conosco diz: ‘No princípio era o verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus, todas as coisas foram feitas por meio dele e sem Ele nada do Que foi feito se fez’. ‘E o verbo se fez carne e habitou entre nós’.”

Efraim, seguindo a tradição síria também não encontra no texto de Jo.1.1 a idéia de que existe um outro Deus, ao contrário, para ele Jo.1.1 é a demonstração de que o Verbo é Deus e Efraim o reconhece como Deus filho.

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Contudo, além das diferentes versões e da tradição síria e latina dos Pais da Igreja, faltam ser observados os Pais da Igreja de Tradição grega. Seu estudo é fundamental, pois teremos leitores de grego lendo e interpretando Jo.1.1 no idioma que dominam. Assim, temos novas informações sobre como leitores e intérpretes reconhecidos pela história entendiam esse verso.

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